Eduardo Carmello
Por Juliana Ricci
Até cerca de 10 anos atrás, Qualidade de Vida significava, para muitos, cuidar das doenças quando apareciam ou, no máximo, algum tipo de cuidado com o corpo. No ambiente corporativo, a preocupação dos dirigentes de empresas e a conseqüente ação dos profissionais de Recursos Humanos limitava-se à elaboração de programas operacionais, baseados em concessão de benefícios ou algum outro apoio oferecido isoladamente.
A conseqüência disso foi desastrosa. Segundo matéria publicada na Revista Amanhã em 2002, só nos Estados Unidos são gastos 120 bilhões de dólares por ano com saúde ocupacional, e no Brasil, 26 bilhões de dólares.
Com o tempo, as empresas perceberam que Qualidade de Vida e Saúde envolvem dimensões física, intelectual, emocional, profissional, espiritual e social. Práticas inadequadas no ambiente de trabalho geram impacto negativo na saúde física e emocional dos empregados e na saúde financeira das empresas.
Essa mudança de mentalidade abriu mercado para consultoria em desenvolvimento de programas de qualidade de vida. Caso do consultor Eduardo Carmello, diretor da Entheusiasmos Consultoria em Talentos Humanos, que trabalha há nove anos implantando programas de Saúde e Qualidade de Vida em empresas, com o respaldo do certificado recebido pela American University, de Washington, D.C., para exercer tal atividade.
A maior receptividade das organizações e a vontade de encorajar e apoiar hábitos e estilos de vida que promovam saúde e bem estar entre os funcionários e famílias levaram Carmello a elaborar, em parceria com o Instituto Chiavenato, o curso Gestão da Qualidade de Vida no trabalho, que aconteceu em São Paulo nos dias 8 e 9 de maio.
Nesta entrevista, Eduardo Carmello fala sobre o papel preventivo das ações voltadas à Qualidade de Vida no ambiente de trabalho e dos resultados práticos desse trabalho.
Qual a real importância de se investir em Qualidade de Vida nas organizações?
Eduardo Carmello – Enquanto na Revolução Industrial a preocupação principal estava ligada às precárias condições de trabalho e aos prejuízos à saúde física, a partir da Era do Conhecimento os cuidados voltaram-se para o desgaste emocional das pessoas. Nos últimos 6 anos, 90% dos gastos das corporações brasileiras com saúde no trabalho estavam direcionados para o tratamento dos chamados episódios agudos e das condições crônicas, sempre remediando os problemas. Hoje, felizmente, isso mudou, já que pelo menos 40% dos investimentos são destinados a manter e promover saúde. Essa é a vantagem de investir em qualidade de vida. Com essa mentalidade, é possível promover um ambiente que estimule e dê suporte ao indivíduo e à empresa, conscientizando sobre como sua saúde está diretamente relacionada à sua qualidade e produtividade.
Quais as vantagens para as organizações?
Eduardo Carmello – São três as vantagens: redução de custos, desenvolvimento do capital intelectual e fortalecimento da imagem da empresa. A redução de custos é visível na medida em que diminui o número de casos de doenças e faltas, cresce o nível de satisfação dos funcionários e consequentemente, de produtividade. Um processo trabalhista custa, em média, de 70 a 120 mil reais e esse é o preço de um bom programa de qualidade de vida para empresas de pequeno e médio porte. Por que não gastar então em algo muito mais proveitoso? O desenvolvimento do capital intelectual dá-se no momento em que os colaboradores crescem em todas as dimensões do ser humano – física, intelectual, emocional, profissional, espiritual e social – e o fortalecimento da imagem é o reconhecimento do mercado. Fazer parte da lista das 100 melhores empresas para se trabalhar, por exemplo, é importante para a credibilidade e para os negócios da corporação.
A Nestlé é um exemplo de empresa que progrediu muito no campo da Qualidade de Vida dos funcionários. Hoje, beneficiam lazer e desenvolvimento humano, de maneira personalizada e de acordo com as necessidades e o planejamento estratégico da organização. Cerca de 2% das empresas brasileiras conseguem isso.
Como implementar um programa de Qualidade de Vida? Seu curso ensina isso?
Eduardo Carmello – É preciso analisar o comportamento dos profissionais e a necessidade da empresa, determinando ações a partir desses critérios. É fundamental identificar estratégias, ações e recursos que possam assegurar o processo de mudança e os resultados esperados. Costuma-se dizer que ao investir 30 mil reais num programa, economiza-se 90 mil. A relação é de 1 para 3. Nada mais animador para quem está pensando em implementar um programa, não é? Além disso, basta pensar nos resultados:
– Aumentar os níveis de satisfação e saúde do colaborador/consumidor/comunidade (força de trabalho mais saudável);
– Melhorar o clima organizacional (ambiente, relações e ações saudáveis);
– Afetar beneficamente no processo de formação e desenvolvimento humano, agregando competências (capacidade e atributos);
– Influenciar na diminuição da pressão no trabalho e do distresse individual e organizacional (menor absenteísmo/rotatividade; menor número de acidentes);
– Melhorar a capacidade de desempenho das atividades do dia-a-dia (maior produtividade).
Quais as melhores iniciativas atuais no Campo da Qualidade de Vida? Quais as tendências?
Eduardo Carmello – Uma iniciativa que tem merecido nossa atenção é a das seguradoras de saúde que têm se preocupado com prevenção. É uma prova da mudança de mentalidade, já que as seguradoras são as mais interessadas em gente doente. Estamos em fase de maturação, de estruturação de ações em programas concretos. A tendência é alinhar a manutenção de saúde à estratégia da empresa, colocar um fim na postura assistencialista das empresas, de dar tudo para o funcionário, e assumir a educação de consciência e autonomia – ensinar o profissional a cuidar de sua própria saúde. Todas as ações de qualidade de vida deverão ter link direto com o desenvolvimento estratégico do colaborador. A ginástica laboral será modificada para ajudar no desempenho profissional, não só para prevenir algo momentâneo.
Existe algo hoje na área de Qualidade de Vida que está ultrapassado?
Eduardo Carmello – Segundo Domenico de Masi, sociólogo italiano, vivemos e trabalhamos numa sociedade do futuro, mas continuamos a usar os instrumentos do passado. Isso significa que temos cada vez mais sofisticação e tecnologia, mas muitas vezes não sabemos entender e usar isso tudo. Precisamos abandonar o paradigma que diz que a melhor tecnologia e a melhor solução são indicadas para todas as pessoas. Temos sistemas muito bons para medir desempenho, que muitas vezes são entregues a líderes que ainda se comportam como chefes. Em Qualidade de Vida, muitas vezes desenvolvem-se ações maravilhosas na teoria, mas que não funcionam na prática porque o comitê que o elaborou sequer entrou em contato com a necessidade dos funcionários. Esse tipo de atitude está completamente ultrapassado.
Como obter equilíbrio entre vida pessoal e profissional?
Eduardo Carmello – Não há receita, mas sugiro que as pessoas avaliem como está sua harmonia nos papel profissional – como colaborador ou líder – e pessoal, como filho, pai, esposo, e também o eu interior. Vejam que níveis de exigência surgem de cada área e se vocês estão correspondendo a eles. A maior queixa dos executivos hoje é não ter visto os filhos crescerem. É preciso decidir se querem ser muito bons como profissionais e deixar a vida pessoal em segundo plano, se é melhor empatar, ou inverter. A família é tão exigente quanto a empresa. O ideal é o equilíbrio do processo no sentido de qualidade de intenção e de relacionamento. O eu interior é o papel mais ignorado, quando deveria ser o mais bem tratado, porque leva ao crescimento e à melhoria dos outros papéis.
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